quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A Selva de Luiz Gomes


A Selva do Tudo Pode foi descoberta há mais de 250 anos. Dela se apoderaram animais que vieram de outras regiões e sufocaram os que aqui moravam, dominando os mais indefesos, escravizando e por fim matando muitos.

 
O tempo passou e mais espécimes foram chegando. Gatos, cachorros, jumentos, bois, vacas, carneiros, burros e cavalos se tornaram a maioria. As fêmeas pariram muito e a população cresceu rapidamente. Eles foram ocupando os espaços de acordo com a inteligência e força que cada um herdou ou adquiriu. Uns habitaram as terras altas e outros preferiram as baixas.

Num passado próximo este habitat era mais diversificado e mais cheio de vida do que hoje. O clima era bem melhor. Aqui viviam muitos porcos do mato, veados, macacos, cutias, onças, pássaros belos e diversos, todos nativos, que foram sendo progressivamente exterminados. Os que ainda não foram continuam sendo caçados, sem dó nem piedade, por outros que se julgam mais inteligentes e cheios de razão.

 
Os bichos evoluíram dia após dia. Organizaram-se e conseguiram a sua independência. Passaram a ser soberanos, ter autonomia sobre o seu território. Construíram moradias para se proteger da chuva e do sol.


Ficaram mais sofisticados, cheios de vaidade e sabidos. Passaram a estudar e aos poucos construíram escolas e prédios para se divertir, cuidar da saúde e coisas mais. Hoje, com certas dificuldades, quase todos eles, principalmente os mais novos, aprenderam a ler e a escrever. No entanto, ainda falta para a maioria, de todas as idades, aprender a entender.


Os administrador que antes ocupava o posto por meio da força bruta, do revólver e da chibata, hoje é através do voto. O problema é que essa fórmula não trouxe a liberdade e a justiça tão esperada. Vez outra alguns dos escolhidos para organizar a vida na Selva dão vexame, infelizmente.

 
Atualmente a Selva é administrada pelo galo Xaropinho, de família não caipira. Ele passa boa parte do tempo viajando, deixando a própria sorte os mais indefesos. A situação a cada dia fica mais difícil. O lixo se espalha pela selva. O Sistema de Saúde da Selva, o SSS, entrou em colapso. No hospital faltam medicamentos, seringa, algodão, soro e até luva cirúrgica. Nunca a saúde tinha passado por uma situação tão caótica e imoral. Falta tudo, tudo mesmo. Inclusive bichos doutores, que já ganham muito e querem ganhar muito mais, por isso se negam a trabalhar por aqui. Além disso, alguns dos bichos contratados para manter os serviços mais gerais e de outras categorias estão tiriricas da vida porque ainda não lhes foi pago o que é devido.

 
Xaropinho diz o tempo todo para os outros animais, que a culpa é da crise. Esse discurso grudou nele igual a chiclete em sola de sapato. Desde que assumiu o poder que a desculpa é sempre essa. Enquanto isso... lá se vão dois anos e alguns dias de puro vexame. Essa situação motiva alguns dos bichos mais atrevidos a afirmarem categoricamente que a Selva merece o (des)governo que tem. Outros, a maioria, também insatisfeitos, tem medo de dizer o que é preciso. A minoria, mesmo fazendo careta às escondidas, parte para a defesa, porque para ter trabalho precisa bajular o chefe, dá consolo e só não puxa o saco pelo motivo único e exclusivo dele não possuir.

 
O discurso repetitivo de Xaropinho, igual à cantiga de grilo, a cada dia perde força e principalmente agora quando a bicharada tomou conhecimento da história da cachorra Belinha. Ora, também! Se a Selva está em crise e falta dinheiro até para o que é extremamente importante, por que então tem para o que é indiscutivelmente desnecessário? Um exemplo, sem outro precedente conhecido, foram os gastos recentes para agradar a família da cachorra Belinha, a custa do erário, que a administração se ocupou em fazer e que por incompetência não conseguiu camuflar.

 
Bela, Belinha para os mais chegados, os mais íntimos, mora a quilômetros de distância daqui, numa grande floresta ao Sul. A cadela decidiu fazer um tour na nossa Selva e assim procedeu. Pegou um avião e desembarcou no Juazeiro, uma floresta que fica para as bandas do Norte. Ao chegar não teve que esperar um minuto, porque um transporte público, importante não deixar de dizer, já se encontrava estacionado no seu aguardo. Eficiência! Para isso tem.

 
Amostrada e mimada, mas também mui bela, a cachorra Belinha tem dado o ar da graça pelas moitas e noites. Está aproveitando ao máximo os dias que lhe restam na Selva do Tudo Pode, porque em breve estará fazendo o seu caminho de volta. Tive o prazer de conhecê-la de longe. Sabe do que ela me fez lembrar? Da obra, o Auto da Compadecida, do famosíssimo Ariano Suassuna.

 
Boa viagem!

 
Moral da história: Quem tem asa voa, quem não tem vai a pé.



*Luciano Pinheiro de Almeida, professor e vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT)".