domingo, 27 de março de 2011

Filosofar è preciso

Honório de Medeiros


Diz a tradição que o filósofo é um amigo da sabedoria. Claro. Mas é algo além disso, até por que não são todos os amigos da sabedoria que são filósofos, desde que a entendamos como conhecimento – termo quiçá desconhecido na Grécia antiga onde foi cunhada essa definição de filosofia.


 
É bem mais que isso, pois há os inimigos do conhecimento que são filósofos – dentre eles os irracionalistas de todos os matizes, incluindo os niilistas que seriam, digamos, os terroristas contra o saber. Da mesma forma que há amigos da sabedoria que, em relação a ela, cultivam um amor unilateral, não correspondido, pleno de atenção e aparato – pompa e circunstância – assim são os eruditos, a quem se atribui a condição de citar autores e obras sem lhes entender verdadeiramente o conteúdo.


 
Essa amizade há de ser crítica, é uma condição fundamental, para não ser ligeira e pouco consistente. Crítica no sentido da busca deliberada, metódica, determinada, de falhas, contradições, erros, equívocos, na sabedoria exposta, objetivada, anunciada: tudo quanto está oculto no espírito dos filósofos não interessa ao mundo, assim como a poesia que não se faz conhecida não será admirada ou enaltecida.


 
Há outra condição, um dever-ser, um valor: deve haver honestidade de propósitos no que diz respeito à busca da verdade. Sem que se faça presente esse pré-requisito o pseudofilósofo enreda seus argumentos nas armadilhas do ego e encontra miragens onde sequer há desertos.


 
Portanto há critérios para alguém ser considerado filósofo: é preciso haver apreço pela busca ao conhecimento; é preciso que haja a crítica dessa trajetória; é preciso que essa busca e essas críticas sejam metódicas; é preciso ter o espírito honesto nessa caminhada.


 
O filósofo deve ter o olhar da razão treinado para perceber as contradições da realidade na qual está imerso, sem esquecer que dela é parte integrante e inafastável. Não há olhar neutro por que quem olha é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto desse olhar. E o treinamento deve ter sido, deve ser obsessivo, é a ginástica do espírito: ler, ler novamente, reler; pensar, pensar o pensamento, pensar o pensamento pensado – livros e a vida, a vida que é um livro e os livros que são vidas.


 
Por fim a filosofia é, então, o resultado de uma atitude. O filósofo, amigo crítico, metódico e honesto da sabedoria, assume uma postura em relação à Verdade; a ela tem afeto, que sua companhia, não a desrespeita nesse propósito, e a procura com critério. Talvez, para alguns, não seja simpática essa atitude, como o demonstra, por um lado, o martírio de Sócrates na Grécia antiga; a humilhação de Galileu, na Idade Média; o assassínio de Trotsky na era contemporânea; por outro lado, o menoscabo da elite, tão revelador, para com a filosofia e poesia.


 
Não importa. Se as idéias movem o mundo – e de fato o é, para o bem ou para o mal, quem as elabora, necessariamente, são os filósofos. Ou não foi isso que Karl Marx fez?